segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Carolina

 





Carolina,

Os cantos da minha casa parecem maiores, o espaço entre eu as coisas tem sido cada vez mais estreito. Enquanto fico em casa percebo que faço parte desse micro organismo, crio minha própria comunidade, eu, a cadeira, as roupas e seus desejos de serem vestidas, as taças de vinho, a escova de dente, a cama gigante e vazia, os corredores silenciosos, meu duplo no espelho que me desafia constantemente, os pratos de louça que eram da minha avó...  Nunca tinha usado a louça da minha avó.


Tenho cavado lembranças, tenho lembrado tanto das senhoras que me olhavam, tenho sentido tanta falta de Maria minha mãe, Maria minha mentora, os mortos se aproximam não como fantasmas, mas como amigos próximos. Não estou totalmente só.


Torno a olhar para o espelho e atravesso ele, olho de dentro e vejo as imagens distorcidas, minha casa parece um útero, cheia de água, me observo andando de um lado para o outro, como um feto que se remexe, crescendo, amadurecendo, vez em quando olho para fora da janela, e a rua está vazia, triste, logo a rua que gosta de gente. Quando as portam puderem ser abertas, espero que seja um dia de sol…


Eu caminho pela casa, observo meus iguais, comungo com eles, componho a mesa, enceno ver um telejornal, danço uma coisa qualquer, embora Caetano Veloso esteja vivo escuto transa como uma obra póstuma, terrível, ficar e ser casa faz com que o mundo vá morrendo aos poucos, construímos monumentos que duraram mais que a gente, porque sabemos que não somos eternos, mas queremos ser como os deuses, queremos ser lembrados, depois de mortos e enterrados, queremos ser lembrados.


 Quando as portas poderão ser abertas, o ar vai passar por todos os cantos, e não vai parecer que acordamos de um sonho, porque isso seria nosso fim, quando as portas estiverem abertas o mar vai ter tomado tudo, seremos água pura água, aceitando o fluxo das coisas, você não vai ter morrido, eu não vou ter morrido, mas não será um orgulho está vivo.


Com saudades, Anastácia.


Nenhum comentário: