segunda-feira, 14 de setembro de 2020



 Quem tem medo do teatro negro?


Minha história com teatro é muito longa, a primeira vez que subi em um palco foi no meu 7º dia de vida para substituir a boneca que representava um bebê em um incêndio. Dizem as boas línguas que eu chorei na hora certa…  Estudo teatro desde os meus 07 anos de idade, e já passei por muitas coisas boas, mas também segurei algumas pedras. Hoje me considero uma atriz não praticante, porém uma pensante do teatro.


Passei anos da minha vida, muitos, muitos anos debruçada na função de atuar, quem faz teatro sabe o amor pela atuação é tão gigante que nada, ninguém substitui. É paixão eterna, é pulso de vida, amor. Foram anos me  deslocando da Pavuna para a zona sul, peças e mais peças na UFRJ, em 2009 não existiam tantos negros nos corredores, nem nas salas, menos ainda nas peças universitárias que os jovens diretores levantavam, com seus ensaios diários em horários diversos, com um único objetivo: fazer teatro.


Por muitas vezes, peguei o último metrô, ou meu pai me buscava quando passava da meia noite e era difícil voltar.

Chorei muitas vezes me sentindo muito incompetente por precisar da conta do vestibular, da escola que ficava lá no norte shopping e ir para os ensaios lá na urca, fora os anos de treino que fiz, tudo para chegar a um corpo pronto, disposto, expressivo. 


Eu tinha um objetivo na minha vida: ser atriz. 


Eu realmente nem pensava o quanto era compulsiva…  A leitura, as noites que chegava em casa tarde e ainda ia escrever peças da minha cabeça que nunca cheguei sequer ler em público, críticas sobre textos, eu queria ser grande…


Por anos eu pensei que o teatro tinha desistido de mim, mas, na verdade eu desisti do teatro. E por alguns anos pensei que tinha desistido do teatro, mas na verdade eu tinha desistido de estar fazendo um teatro qual meu corpo não existia! Todas as discussões intelectuais,  sobre  ser e o não ser, me soava como pertencer e não pertencer, Tupi or not tupi, black or not black, marginal nor not marginal. Entrei na faculdade de teatro e em algumas semanas, meu coração parou de bater pelo teatro, as cenas não eram as mesmas pra mim e como em um pesadelo, as lembranças de prazer dos meus longos 17 anos de estudo e dedicação, principalmente os últimos 5 anos antes de entrar na faculdade me traziam gosto de terra na boca.


As paredes da UNIRIO são brancas, como majoritariamente é o corpo docente e também estudantil e era muito difícil pensar e fazer teatro ali, era triste pensar que o teatro estava morrendo em mim e eu continuaria viva, mas com que propósito?! Eu me perguntava. 

Me restava então era escrever, mas nunca acreditei muito, sempre achei que como escritora eu era uma grande atriz (rsrs). 


Pois bem, saí de atuação, fui para teoria e estética teatral, confesso que muito me agrada o curso, mas o teatro ainda estava em estado vegetativo em mim. Até que um dia, surge nas paredes da UNIRIO a seguinte escrita “KKK’, uma grande afronta a todos os alunos negros, quase que um aviso de morte. 


*Para quem não entendeu “KKK” é a sigla para Ku Klus Klan, que são fascistas defensores de correntes reacionárias e extremistas, tais como a supremacia branca, o nacionalismo branco, e a anti-imigração, ou seja racistas fascistas! 


A solução diante da escrita para o diretório era pintar as paredes, de branco. Nesse momento muitas mãos negras já haviam intervindo nas paredes da faculdade e pintar de branco as paredes não traria a paz antes aproveitada pela branquitude.

Teatro é o lugar da onde se vê, e lá estava eu vendo e entendendo minhas tristezas por anos não explicadas por mim para mim, o teatro que meu corpo buscava estava muito longe do teatro que eu fazia, aprendi muito, mas me ouvi pouco e por isso durou tanto esse velório.

E uma pergunta surgiu dentro de mim; como um corpo negro trabalha a presença, em um espaço feito para ele não existir? O que pode o corpo negro no teatro?


A chama teatral vem ascendendo novamente em mim, até porque nunca parei de pensar sobre o teatro, nem nunca deixei de acreditar nele, só percebi que não posso colaborar com o teatro esfriado e esgotado da branquitude classista. E se essa chama que estava quase apagada está voltando a me esquentar, em outras perspectivas que não só atuar,  o motivo são esses caras ai nessas fotos! São os corpos negros em presença, no palco, vendo e falando. Criando camadas e mais camadas, gestando conceito, praticas… fazer um teatro preto, está para além do usa das simbologias afro-diaspóricas. É preciso reconhecer a pele, reconhecer nossas subjetividades,  Para que a cena seja visceral e eterna precisamos de fato reconstruir, enxergar o agora, o presente, a presença.


Farejar, colher e cantar. O que pode um corpo negro no teatro? Pode um corpo negro atuar?

Que tem medo do teatro negro? Estou me debruçando em novos encontros com o teatro. Tudo graças a esses profissionais que tanto amo e resolvi dedicar o dia do teatro, atrasado a eles.

Axé.


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